O presente trabalho tem como escopo tecer considerações acerca do tema em destaque sem a intenção de esgotar seu conteúdo, tampouco cansar o leitor, firmando posicionamento e permitindo discussões construtivas para o aprimoramento do direito.
O princípio da identidade física do juiz encontrava-se inserido no art. 132 do vetusto CPC (Código de Processo Civil) de 11/01/1973.
Art.: 132 O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer outro motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.
O fundamento cardeal para que o princípio fosse observado no ordenamento jurídico brasileiro é o de que o juiz que conduz a audiência de instrução tem melhores oportunidades de avaliar a prova oral coletada. Este não se atentará apenas ao texto cru, tendo em vista ter observado as condições psicológicas em depoimento como, se estão depondo aparentando nervosismo, se estão gaguejando, titubeando, se estão depondo com ironia… Este fundamento também serviu de base para que, mesmo havendo recurso, a sentença (desde que obedecida razoabilidade) não merecesse reforma, pois o magistrado que colheu as provas teve contato direto com as partes, testemunhas, observados os aspectos referidos.
Hoje, estamos no século XXI, o avanço da tecnologia não é mais iminente e sim atual e ainda temos o caráter vanguardista da Justiça do Trabalho. Graças a isso, foi criado o PJe (Processo Judicial eletrônico) e, com ele, o PJe mídias, dispositivo no qual as audiências podem ser gravadas e revistas a qualquer momento, por qualquer magistrado. Podendo este também observar os aspectos psicológicos manifestados durante a prova testemunhal. Por razões óbvias, esta tecnologia obteve recrudescimento em 2020, como corolário da pandemia da COVID-19.
Haveria, então, necessidade de manutenção do referido princípio?
A Justiça do Trabalho sempre entendeu não ser razoável, vide Súmula 136, TST:
Não se aplica às Varas do Trabalho o princípio da identidade física do juiz (ex-Prejulgado nº 7)
Nessa mesma linha de raciocínio, já havia se posicionado anteriormente o STF (Supremo Tribunal Federal), consoante também entendimento sumulado:
S ú m u l a n. 222 – STF:
“O princípio da identidade física do juiz não é aplicável às Juntas de Conciliação e Julgamento, da Justiça do Trabalho.’’
Em que pese o cancelamento da Súmula 136 – TST, a súmula do STF permanece em vigência. Some-se a isso, a supressão do artigo 132, CPC/73, pelo atual CPC/2015, sendo este fato amplamente usado como espeque para que o princípio em baila não seja respeitado no Processo do Trabalho. Prova disso é a decisão dada pela 9ª turma do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 3ª Região, seguindo voto do Desembargador Relator João Bosco Pinto Lara, no processo 0010882-02.2015.5.03.0094, em 19 de julho de 2016:
PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO. SUPRESSÃO DE SUA PREVISÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Aqui, na seara do Processo do Trabalho, já não se aplicava o princípio da identidade física do juiz, previsto no art. 132 do antigo CPC, segundo o qual o magistrado que concluir a audiência julgará a lide. O referido princípio era incompatível com as normas que regem o Processo do Trabalho, o que impedia sua aplicação subsidiária, a teor do disposto no art. 769, do diploma celetista. Sabe-se que o processo laboral é orientado pelos princípios da celeridade e economia processual, permitindo a rapidez na tramitação do processo – o que é indispensável quando a controvérsia envolve créditos cuja natureza é eminentemente alimentar. A supressão do princípio da identidade física do juiz do Novo Código de Processo Civil coloca uma pá de cal sobre o assunto. De se notar que o art. 652 do diploma celetista atribui às Juntas de Conciliação e Julgamento, atualmente Varas do Trabalho, a competência para julgar os dissídios, e não ao Juiz que realizou a instrução.
Não obstante a supressão de positivação do referido dispositivo, na prática, não se pode adotar inobservância de seu entendimento. Respeito a esse entendimento já havia desde o CPC/39, como se pode observar da leitura de seu artigo 120:
Art. 120. O juiz transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento dos processos cuja instrução houver iniciado em audiência, salvo si o fundamento da aposentação houver sido a absoluta incapacidade física ou moral para o exercício do cargo.
O juiz substituto, que houve funcionado na instrução do processo em audiência, será o competente para julgá-lo, ainda quando o efetivo tenha reassumido o exercício.
Parágrafo único. Si, iniciada a instrução, o juiz falecer ou ficar, por moléstia, impossibilitado de julgar a causa, o substituto mandará repetir as provas produzidas oralmente, quando necessário.
A despeito de redação diversa, o sentido é o mesmo, e este foi respeitado pelos CPCs anteriores (1939/1973), o novel (2015) é que o suprimiu.
No cotidiano, no empirismo, infere-se que é necessária sua manutenção, seja ele positivado ou não. Tendo em vista que o objetivo primordial do Direito é a segurança jurídica, completamente desarrazoado é um processo ter sido instruído por um juiz e julgado por outro. Criar-se-ia mais uma celeuma jurídica, e isto é algo desnecessário, elas já nascem a todo momento e pululam em todos os tribunais.
Ademais, mesmo que não haja positivação, o artigo 366, CPC/2015 deixa implícito o norteador:
Encerrado o debate ou oferecidas as razões finais, o juiz proferirá sentença em audiência ou no prazo de 30 (trinta) dias.
Ainda no mesmo diploma, com o fito de se trazer proximidade entre juiz e prova testemunhal é que também se encontra positivado o artigo 449, determinando que, regra geral, as testemunhas devem ser ouvidas na sede do juízo.
Oralidade, celeridade, são aspectos norteadores da Justiça do Trabalho. Segurança jurídica é referência do judiciário como um todo. Se não o fosse, de que adiantaria o instituto da cláusula pétrea e a tão sonhada proteção ao ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido (art. 60 “caput” e art. 5º, XXXV, CRF/88, respectivamente).
Em que pese a cizânia entre aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 ao processo do trabalho (art. 15, CPC/2015 “caput”), o artigo 769 “caput” CLT não está revogado, pois lei geral não tem o condão de revogar lei especial. Portanto, deve-se respeitar o princípio referenciado, pois, em que pese opiniões divergentes, é perfeitamente aplicável à Justiça do Trabalho.
Por fim, nas sábias e atemporais palavras de Ovídio Batista:
“Os dois primeiros princípios, o da oralidade e o da imediatidade entre o juiz e as partes, ainda necessitam de um outro que lhes dá consistência e os torna efetivos. É o princípio segundo o qual o mesmo juiz que haja presidido a instrução da causa há de ser o juiz da sentença. Ora, se a oralidade, como se viu, tem por fim capacitar o julgador para uma avaliação pessoal e direta não só do litígio mas da forma como as
partes procuram prová-lo no processo, não teria sentido que o juiz a quem incumbisse prolatar a sentença fosse outro, diverso daquele que tivera esse contato pessoal com a causa”
Júlio César Camilo da Silva
Bacharel em Direito com pós graduação em Direito e Processo do Trabalho.
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