Por Dr. Oscar Valente Cardoso
Doutor em Direito (UFRGS), Professor e Juiz Federal
A regulação escassa das provas digitais na legislação brasileira dificulta a sua utilização no processo.
Por exemplo, o Código de Processo Civil limita-se a regular genericamente a utilização de documentos eletrônicos em apenas três dispositivos específicos (arts. 439/441).
A Lei do Processo Eletrônico é de 2006 (Lei nº 11.419/2006) e, com exceção da uma alteração e uma inclusão em dois parágrafos ao art. 11 em 2019 (para tratar do acesso aos documentos no processo eletrônico por pessoas não vinculadas a ele), não foi atualizada desde a sua publicação.
Somente o Código de Processo Penal foi alterado em 2019 (pela Lei nº 13.964/2019) e passou a regular a cadeia de custódia da prova digital em seus arts. 158-A e 158-B.
Em consequência, diversas dúvidas surgem na prática, como, por exemplo, se o conteúdo de um smartphone pode ser utilizado como meio de prova em um processo judicial e de que forma as provas materiais podem ser documentadas e incluídas no processo?
Fotos em redes sociais, arquivos de áudio trocados entre pessoas podem ser baixados e anexados como provas documentadas no processo eletrônico.
Contudo, uma conversa em um aplicativo de mensagens ou em um chat, como pode ser transposta para o processo de um modo que possa identificar o local de sua extração e as pessoas participantes do ato?
A simples transcrição de um diálogo na petição ou em um documento de texto demonstra o conteúdo de uma conversa, mas não comprova quem são os participantes dela e onde ela ocorreu.
Por isso, é frequente o uso do “print screen” (ou “print”) de um dispositivo (smarthpone, tablet, notebook, computador etc.), que consiste na captura da tela e a sua apresentação em um arquivo de imagem, de forma semelhante à uma fotografia.
Entretanto, o uso do print como uma prova documentada é sujeito a críticas e a vulnerabilidades.
A principal crítica feita ao print é a facilidade em sua adulteração.
Porém, a violação da integridade da tela impressa não difere muito da possibilidade de alteração (indevida ou não autorizada) de qualquer documento digitalizado ou criado eletronicamente.
A preocupação deve ser com o controle da integridade da prova e não com o impedimento a priori da utilização do print como uma prova válida no processo.
Existem vários meios de usar o conteúdo de um arquivo digital como meio de prova em um processo judicial.
Por exemplo, a gravação ambiental de uma conversa por uma das pessoas participantes é válida como prova (no processo civil e penal). Do mesmo modo, uma fotografia digital, um arquivo de áudio ou um arquivo audiovisual são normalmente utilizados como provas, sem questionamentos sobre a sua validade.
Por sua vez, postagens em redes sociais, mensagens enviadas por aplicativos, entre outros conteúdos em formato de texto, podem ser usados como prova nos processos judiciais? E como isso pode ser feito?
A digitação do conteúdo em um processador de texto, ou sua transcrição em uma petição, não permitem comprovar quem são as pessoas que praticaram ou participaram do ato.
Por isso, tornou-se comum a utilização do print screen, para identificar o meio utilizado (aplicativo, rede social, site etc.) e a autoria do ato (pessoa que enviou mensagens ofensivas por aplicativo, pessoa que realizou determinada postagem em rede social, entre outras situações).
O art. 369 do CPC não impede previamente a utilização do print como meio de prova, por se tratar de uma forma documentada de apresentar um objeto (tela de dispositivo, ou, melhor dizendo, o conteúdo digital existente em um dispositivo). Não bastasse isso, o art. 422 do CPC expressamente admitia a utilização como prova de reprodução mecânica (como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica) ou de outra espécie, e o print é uma reprodução fotográfica de um objeto.
Contudo, essa resposta não é dada de forma simples e uniforme nos processos judiciais, em qualquer ramo do Judiciário.
Há decisões em sentido contrário sobre a admissibilidade – ou não – da comprovação de fatos ou de alegações por meio de prints, o que leva à insegurança jurídica.
No processo penal, por exemplo, em 2021 a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou o seu entendimento sobre a impossibilidade de utilização de print screen como meio de prova no processo penal, ao julgar recurso de embargos declaratórios:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. VÍCIOS INEXISTENTES. MERA REDISCUSSÃO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. NOTÍCIA ANÔNIMA DO CRIME APRESENTADA JUNTO COM A CAPTURA DA TELA DAS CONVERSAS DO WHATSAPP. INTERLOCUTOR INTEGRANTE DO GRUPO DE CONVERSAS DO APLICATIVO. ESPELHAMENTO, VIA WHATSAPP WEB, DAS CONVERSAS REALIZADAS PELO INVESTIGADO COM TERCEIROS. NULIDADE VERIFICADA. DEMAIS PROVAS VÁLIDAS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Não se verifica contradição quanto ao argumento de que nem mesmo o acórdão proferido pelo Tribunal de origem afirma a existência de um grupo de Whats App, porquanto tal informação consta expressamente no decisum.
2. Não existe omissão quanto à tese de impossibilidade de utilização das referidas conversas como prova processual, sendo justamente essa a pretensão acolhida no acórdão de agravo regimental, ao considerar as mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web como prova ilícita, determinando-se o desentranhamento dos autos, o que demonstra ausência de interesse recursal.
3. Não há contradição quanto ao alcance do reconhecimento da nulidade da prova, na premissa de ser impossível que esta Corte declarasse quais provas foram contaminadas, tarefa que competiria ao Juízo de primeiro grau, haja vista que esta Corte Superior manifestou-se, com base no julgamento do RHC 79.848, no sentido de que não há ilegalidade quanto à manutenção das demais provas produzidas após as diligências prévias da polícia realizadas em razão da notícia anônima dos crimes, razão pela qual foram mantidas.
4. Embargos de declaração rejeitados” (EDcl no AgRg no RHC 133430/PE, 6ª Turma, rel. Des. Convocado Olindo Menezes, j. 01/06/2021, DJe 07/06/2021).
No acórdão recorrido, o colegiado invalidou a utilização de print screens de conversas por meio do WhatsApp Web como meio de prova no processo penal, com fundamento na sua ilicitude. O processo criminal é sobre um caso de corrupção ativa e passiva, que teve as investigações iniciadas a partir de notitia criminis prestada por um usuário de WhatsApp, que apresentou os prints das conversas com os réus.
A 6ª Turma do STJ entende que a possibilidade de alteração do conteúdo das conversas invalida a sua utilização como meio de prova no processo.
Essa concepção foi mantida no julgamento dos embargos declaratórios, com a ressalva de legalidade da manutenção das demais provas produzidas após as diligências prévias da polícia realizadas em razão da notícia anônima dos crimes, em virtude da ausência de contaminação destas pelo print screen (considerado como prova ilícita).
A principal crítica feita ao print é a facilidade em sua adulteração. Porém, a violação da integridade da tela impressa não difere muito da possibilidade de alteração (indevida ou não autorizada) de qualquer documento digitalizado ou criado eletronicamente.
A preocupação principal deveria estar na verificação da integridade do meio de prova (verificação dos metadados, registro da prova digital, análise da cadeia de custódia da prova, realização de perícia etc.) e não na proibição prévia de determinadas provas digitais.
Para esse fim, devem ser levadas em conta não apenas as normas sobre as provas, mas também acerca do procedimento probatório e do ônus da prova, para que haja segurança jurídica na admissibilidade das provas digitais no processo.
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